sábado, 22 de maio de 2010

BEM ESCREVER


Houve entre nós um rei nascido com uma índole generosa e magnífica: foi D. João V. Favoreceu a fortuna a grandiosidade do seu ânimo. Durante o reinado d'este príncipe as entranhas da América pareciam converter-se em ouro, e a terra brotar diamantes para enriquecerem o tesouro português, e o nosso primeiro rei do Século XVIII pôde emular Luiz XIV em fasto e magnificência. [...]
[...] D. João V teve como Luiz XIV o seu Louvre; mas um Louvre em harmonia com o carácter, não tanto religioso como beato e hipócrita, do seu país n'aquela época. Mafra ficou duvidosa no desenho, entre o mosteiro e o palácio. As duas entidades arquitectónicas compenetram-se aí d'um modo inextricável. A púrpura está lá remendada de burel; o burel alindado com púrpura, e o ceptro do rei enlaça-se com a corda d'esparto, ao passo
que a alpargata franciscana ousa pisar os degraus do trono. Os que sabem quão corrompidos foram os costumes em Portugal no princípio do século passado, e quão esplêndido e ostentoso foi o culto divino; quão brilhante foi a corte portuguesa n'esse tempo, e por quão frouxas mãos andou o leme do estado, não precisam vêr Mafra. Mafra é a imagem de tudo isso. [...]
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Alexandre Herculano in “Opúsculos”
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