segunda-feira, 24 de maio de 2010

VOLTA JOÃO ESTEVES!...



Já vós ouvistes bem quanto os reis antigos fizeram por encurtar nas despesas suas e do reino, pondo ordenações em si e nos seus, por terem tesouros e serem abastados. Porque sendo o povo rico, diziam eles que o rei era rico, e o rei que tesouro tinha, sempre era prestes para defender seu reino e fazer guerra quando lhe cumprisse, sem agravo e dano de seu povo, dizendo que nenhum era tão seguro de paz que pudesse carecer de fortuna não esperada.
E para encaminharem de fazer tesouro, tinham todos esta maneira: em cada um ano eram os reis certificados, pelos vedores de sua fazenda, das despesas todas que feitas haviam, assim em embaixadas como em todas as outras coisas, que lhe necessariamente convinham fazer, e diziam-lhe o que além d'isto sobejava de suas rendas e direitos, assim em dinheiros como em quaisquer coisas, e logo era ordenado que se comprasse d'eles certo oiro e prata para se pôr no castelo de Lisboa, em uma torre, que para isto fôra feita, que chamavam a torre albarrã. [...]
El-rei Dom Pedro, como reinou, pareceu a alguns que não tinha sentido de ordenar que acrescentassem no tesouro, que os antigos com grande cuidado começaram de guardar. E vendo isto um seu privado, que chamavam João Esteves, houve-o por grande mal, e propôs de lh'o dizer, e falando el-rei com ele uma vez, em coisas de sabor, disse ele a el-rei em esta guisa: Senhor, a mim parece, se vossa mercê fosse, que seria bem de proverdes vossa fazenda, e ver o que se dispender pode, e, do que sobejar, encaminhardes como acrescenteis alguma cousa nos tesouros que vos ficaram de vosso padre e de vossos avós, para fazerdes o que os outros reis fizeram, e para terdes que dispender mais abundosamente se vos alguma necessidade viesse à mão, cá muito mais com vossa honra dispendereis vós acrescentando no tesouro que tendes, que gastar o que os outros reis deixaram, sem pôr n'ele nenhuma coisa.
A estas e outras razões respondeu el-rei que dizia bem, e que lhe pusesse em escrito quanto era o que renderiam seus direitos, e a despesa que se d'elo fazia. [...]
E ordenou logo, como se pusesse cada ano, em oiro, e prata, e moedas, tudo o que sobejasse de suas rendas, nos lugares acostumados onde os reis punham seu haver; porém que dizia el-rei que não fazia pouco quem guardava o tesouro que lhe ficava de outrem e se mantinha nos direitos que havia de seu reino, sem fazendo agravo ao povo, nem lhe tomando do seu nenhuma coisa. [...]

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Fernão Lopes in “Crónica d’El Rei D. Pedro”
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(A figura à direita é de Fernão Lopes)
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