quinta-feira, 17 de junho de 2010

CARTAS DE INGLATERRA


Em Londres, Eça comenta o movimento anti-semita em 1880:

[...] Mas que diremos do movimento na Alemanha? Que em 1880, na sábia e tolerante Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer, com os professores Strauss e Hartmann, vivos e trabalhando, se recomece uma campanha contra o judeu, o matador de Jesus, como se o imperador Maximiliano estivesse ainda, do seu acampamento de Pádua, decretando a destruição da lei Rabínica e ainda pregasse em Colónia o furioso Grão-de-Pimenta, geral dos dominicanos - é facto para ficar de boca aberta todo um longo dia de Verão. Porque enfim, sob formas civilizadas e constitucionais (petições, meetings, artigos de revista, panfletos, interpelações) é realmente a uma perseguição de judeus que vamos assistir, das boas, das antigas, das Manuelinas, quando se deitavam à mesma fogueira os livros do Rabino e o próprio Rabino, exterminando assim economicamente, com o mesmo feixe de lenha, a doutrina e o doutor.
E é curioso e edificante espectáculo ver o venerável professor Virchow, erguendo-se no parlamento alemão, a defender os judeus, a sabedoria dos livros hebraicos, as sinagogas, asilo do pensamento durante os tempos bárbaros - exactamente como o ilustre legista Roenchlin os defendia nas perseguições que fecharam o Século XV!
Mas o mais extraordinário ainda é a atitude do Governo alemão: interpelado, forçado a dar a opinião oficial, a opinião de estado sobre este rancor obsoleto e repentino da Alemanha contra o judeu, o governo declara apenas, com lábio escasso e seco, «que não tenciona por ora alterar a legislação relativamente aos israelitas»! Não faltaria com efeito mais que ver os ministros do império, filósofos e professores, decretando, à D. Manuel, a expulsão dos judeus, ou restringindo-lhes a liberdade civil até os isolar em vielas escuras, fechadas por correntes de ferro, como nas judiarias do Ghuetto. [...]
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Eça de Queirós, Israelismo, in “Cartas de Inglaterra”
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2 comentários:

  1. Dr Cirne
    Procurei na campanha alegre a comparação grécia-Portugal (post anterior) e não encontrei- será mesmo na campanha alegre?

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  2. Cara Amiga Fernanda: Provavelmente, não é nesse livro, nem em nenhum outro. Deve ser contrafacção de um jornalista do Jornal de Negócios, como explico no post que hoje publiquei. De qualquer modo, agradeça a chamada de atenção porque isto acontece cada vez com maior frequência na Net.
    Um abraço.

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