segunda-feira, 23 de agosto de 2010

HISTÓRIA E HISTÓRIAS

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António Lobo Antunes é médico e escritor apreciado por muita gente. Tem um estilo que não comento - porque a minha opinião não conta - baseado no impacto do imprevisto chocante e um tanto impiedoso. Relata factos e descreve pessoas de forma que insinua o cinismo colectivo da sociedade.
Nesta linha, disse há tempos, em entrevista a um jornalista, que o seu batalhão na guerra das ex-colónias sofreu um número brutal de baixas e conta como os portugueses, para acumular pontos, alegadamente necessários para serem transferidos para lugares menos perigosos, faziam o inaceitável: “Fazíamos tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros.”
Obviamente, desta vez exagerou: usou o impacto do imprevisto chocante e impiedoso para além do razoável.
Ontem, confrontado com a reacção dos militares, terá dito: “Não sou historiador, os meus livros são romances, e tudo o que escrevo passa pela verdade da ficção. Qualquer outra interpretação é abusiva. Começo a ficar cansado de constantes invasões à minha vida privada e das más interpretações do que escrevo ou digo”.
Em primeiro lugar, regista-se que o afirmado pelo autor não corresponde à verdade. Lobo Antunes não é historiador – diz -, é romancista, e o que escreve passa só pala verdade da ficção. Mas Lobo Antunes não disse o que disse num romance – disse-o em entrevista a um jornalista. Não estava a contar uma história, estava a contar a História.
O escritor mentiu, envolvendo pessoas em acusações graves e gratuitas, e não pede desculpa porque não tem coragem para o fazer. Adicionalmente, acrescente-se que quem invade a sua vida privada o faz porque tem boas razões para o fazer neste caso; e não interpreta mal o que disse: interpreta com a mais cristalina clarividência.
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