terça-feira, 24 de agosto de 2010

O CARTEIRO

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O carteiro é uma esperança ambulante. Este homem, de fisionomia serena, espalha nas famílias, com a mesma insensibilidade, a tristeza e a alegria, os lutos e as galas. As donzelas, umas com as lágrimas nos olhos, suspiram pela sua vinda, outras com o sorriso nos lábios e o rubor nas faces! Quantas mães aflitas com ânsia lhe arrancam das mãos a carta do filho ou do marido ausente, único lenitivo das saudades que as consomem.
À maneira da fortuna o correio é cego, porque distribui com a mesma desigualdade os prémios e os castigos, as prosperidades e as ruínas. Impassível, convida com igual indiferença tanto para o baile como para o cemitério, e entrega com a mesma imperturbabilidade a inocente missiva afectuosa como a infame carta anónima.
Todas as coisas para ele têm igual peso; tão leve considera o singelo bilhete de visita, ou a participação funeral, como a carta de ordens em que um banqueiro envia a outro uma avultadíssima soma.
Na mala misteriosa do correio não se conhecem categorias sociais, nem ódios, nem rivalidades; ali não há lugares distintos para os sexos, nem para as idades; ali todas as línguas se falam e todas se entendem. Frequente é ver naquela boceta irem na maior intimidade os mais irreconciliáveis inimigos; o plebeu colocado por cima do nobre, ou formando dele estrado; damas rivais pacificamente recostadas umas sobre as outras; a esposa ciumenta vê indiferentemente o esposo junto de outra dama sua rival, sem gemer o menor queixume.
Quem há, enfim, que prestando os ouvidos da alma àquele grosseiro e veloso surrão, conduzido com tanta frieza e indiferença, não oiça lá dentro gemidos de saudade, gritos de dor, ou sorrisos de contentamento, ou exclamações de entusiasmo ?
Oh! aquela bolsa simboliza o caos da vida: alegrias! tristezas! amores! ódios! esperanças! incertezas! desenganos! interesses! ruínas! tudo ali se acha envolvido e conglomerado na mais absoluta e inextricável confusão!
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Latino Coelho in “Tipos Nacionais”
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