domingo, 22 de janeiro de 2012

PORTUGUÊS DE PRIMEIRA

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A terra mais ocidental de todas é a Lusitânia. E porque se chama Ocidente aquela parte do mundo? Porventura porque vivem ali menos, ou morrem mais os homens? Não; senão porque ali vão morrer, ali acabam, ali se sepultam e se escondem todas as luzes do firmamento. Sai no Oriente o Sol com o dia coroado de raios, como Rei e fonte da Luz: sai a Lua e as Estrelas com a noite, como tochas acesas e cintilantes contra a escuridade das trevas, sobem por sua ordem ao Zénite, dão volta ao globo do mundo resplandecendo sempre e alumiando terras e mares; mas em chegando aos Horizontes da Lusitânia, ali se afogam os raios, ali se sepultam os resplendores, ali desaparece e perece toda aquela pompa de luzes.
E se isto sucede aos lumes celestes e imortais; que nos lastimamos, Senhores, de ler os mesmos exemplos nas nossas Histórias? Que foi um Afonso de Albuquerque no Oriente? Que foi um Duarte Pacheco? Que foi um D. João de Castro? Que foi um Nuno da Cunha, e tantos outros Heróis famosos, senão uns Astros e Planetas lucidíssimos, que assim como alumiaram com estupendo resplendor aquele glorioso século, assim escurecerão todos os passados? Cada um era na gravidade do aspecto um Saturno, no valor militar um Marte, na prudência e diligência um Mercúrio, na altiveza e magnanimidade um Júpiter, na Fé, e na Religião, e no zelo de a propagar e estender entre aquelas vastíssimas Gentilidades, um Sol.
Mas depois de voarem nas asas da fama por todo o mundo estes Astros, ou indígetes da nossa Nação, onde foram parar, quando chegaram a ela? Um vereis privado com infâmia de governo, outro preso, e morto em um Hospital, outro retirado e mudo em um deserto, e o melhor livrado de todos, o que se mandou sepultar nas ondas do Oceano, encomendando aos ventos levassem à sua Pátria as últimas vozes, com que dela se despedia: Ingrata patria non possidebis ossa mea.
Vede agora se eu tinha razão para dizer, que é natureza ou má condição da nossa Lusitânia não poder consentir que luzam os que nascem nela.

Padre António Vieira, in "Sermões"
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