sexta-feira, 23 de março de 2012

SÍNDROME DE DESVIO DA LINHA BASAL

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Conta a História que no fim do Século XV, as águas da Terra Nova tinham tanto bacalhau que este podia ser pescado com redes e até cestos lançados duma pequena embarcação. No fim do Século XX, o bacalhau tinha quase desaparecido. O Canadá teve de fechar as águas à pesca, lançando dezenas de milhares de pescadores no desemprego. Porque se chegou a esta situação e só se actuou tarde e a más horas? A causa do fenómeno chama-se síndrome de desvio da linha de base.
É assim: o fenómeno vai sendo estudado e o estudo não faz soar as campainhas de alarme. Porquê isso? Porque cada geração de investigadores das pescas aceita como normal o stock existente no início da sua carreira e usa esse valor para avaliar a evolução. No curto período que estuda a matéria, há uma queda do stock, considerada não significativa. Os investigadores da geração seguinte tomam os valores finais da anterior e voltam a concluir que, embora havendo uma ligeira descida dos valores, ela não é significativa. Os seguintes, blá, blá, blá. O somatório das decidas nos stocks é alarmante, mas ninguém conta o somatório; apenas fases parcelares! É a cegueira científica, a estupidez e o esquecimento, chamemos-lhe  inter-geracional. Há ciências em que os desvios anteriores da linha de base são tidos em conta e considerados nas avaliações dos resultados, como parece evidente e deve ser feito. Nas ciências ambientais raramente são.
Mas não era exactamente do síndrome de desvio da linha basal nas ciências ecológicas que eu queria falar. Tal síndrome aplica-se a muitas outras situações. Por exemplo, na economia, ao aumento do consumo de energia per capita no mundo desenvolvido. Ou ao aumento da criminalidade nas grandes cidades e por aí fora. E também na política, quando se atribui a um governo em exercício males que começaram há muito, em governos anteriores, e continuam a operar porque têm inércia para penetrar em executivos actuais e até futuros. Querem um exemplo? Olhem para Portugal: atribui-se a um executivo que não tem um ano uma taxa de desemprego crescente  que já era enorme e vinha em progressão rápida há anos. E faz-se escândalo demagógico com isso. E aponta-se a dificuldade do controlo do défice público, quando este já era muito grande e progressivo atrás: o desvio da linha de base anterior é sorrateiramente sonegado. O síndrome é perigoso e deve-se estar alerta em relação a ele porque, frequentemente, é uma arma para enganar papalvos.
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