domingo, 20 de maio de 2012

INTERSER OU NÃO INTERSER, EIS A QUESTÃO

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O monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh escreveu mais ou menos isto:

Se fores poeta, vês claramente que há uma nuvem a flutuar numa folha de papel. Sem a nuvem, não havia chuva; sem a chuva, a árvore não crescia; e sem a árvore, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para o papel existir. Se a nuvem não está aqui, o papel também não pode estar.
Interser é palavra que não existe nos dicionários; mas, se combinarmos o prefixo inter com o verbo ser, temos um verbo novo. Sem a nuvem, não podemos ter papel e, portanto, a nuvem e o papel não são: intersão. Ser é interser. Ninguém é sozinho: tem de interser com outra ou outras coisas. A folha de papel existe porque existe tudo o que existe.

Não é conversa de louco, não senhora [ou senhor]. É bem lúcida e verdadeira. Representa um pensamento científico sólido. No mundo Ocidental o homem acha-se uma entidade individual, isolada do meio circundante pelo papel de embrulho que é a sua pele. Errado!
A partir de que momento o ar que inspiro, o alimento que ingiro, a água que bebo deixou de ser tais coisas e passou a ser "eu"? Não passou, simplesmente. O mundo exterior penetra-nos constantemente e nós somos "ele" e não "nós". Somos o local onde parte do mundo está provisoriamente organizada da forma que é a nossa: com a morfologia que conhecemos, o metabolismo que percebemos mais ou menos, a actividade mental que achamos o máximo, e só isso – um arranjo transitório de moléculas que funcionam assim assim!
Moléculas em trânsito e de partida a todo o momento, com as excreções, ou com essa grande excreção final que é a decomposição post mortem.
Mas as coisas são ainda mais complicadas! Se excluirmos o cérebro, a espinal medula, o sangue e pouco mais, tudo o resto está carregado de bactérias, as mais variadas. Na pele e anexos, no intestino, nas vias respiratórias, nos ouvidos, blá, blá, blá, transportamos dez vezes mais células que não consideramos “eu”, do que células do que achamos é “eu”. Isto é, de acordo com a nossa brilhante perspectiva, não a de Thich Nhat Hanh, só 10% somos nós. O resto que carregamos – 90%! - não é humano. O que é, então? perguntar-se-á. É lixo? Não é.
Não é porque é fundamental para a nossa organização, vejam lá, tão asseados que nos achamos! Essas criaturas defendem-nos de outras criaturas que nos atacam e provocam doenças; transformam substâncias indigeríveis em alimentos utilizáveis e necessários; produzem compostos indispensáveis ao nosso metabolismo; e toda uma grande e complicada cangalhada. Tal aliança chama-se simbiose.
Essa numerosa população, muito maior em número em cada um de nós do que a população humana de todo o mundo, morre, reproduz-se e recebe novos elementos vindos do “não-eu”, isto é, renova-se constantemente. Também as células do “eu” se renovam porque não duram sempre. Resumindo e concluindo, aquilo que somos agora dura alguns anos; poucos! Depois somos outros, incluindo os nossos simbiontes. E esta?
Sabem qual é o nosso problema? Passo a explicar. Do mundo, vemos muito pouco – quase nada. Umas coisas porque são muito grandes e distantes, como o espaço sideral e, a olho nu, não enxergamos. Outras, porque são muito pequenas e próximas, também não enxergamos. Já não falo dos quarks, leptões, ou bosões. Falo das bactérias e da maior parte dos fungos, por exemplo. Então, temos uma ideia do mundo tacanha: vemos umas coisas – poucas! - e já não é mau. Há quem chame a esse mundo que vemos mesomundo. Não está mal achado, mas parece-me muito. Chamar-lhe-ia talvez micro-mundo, embora possa melindrar o Homo, que se auto intitula sapiens!
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