domingo, 30 de março de 2014

'REMADE IN PORTUGAL'

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Entre os Séculos XI e XIV, a sociedade rapanui da Ilha de Páscoa viveu dias de glória. Depois, por variadas razões, entre as quais a destruição da floresta para erguer e manter os famosos monolitos  chamados moais, a agricultura entrou em decadência e a sociedade  também. No Século XVIII, bateu no fundo.
Os rapanuis são o ícone da má prática ambiental, económica e social. As famosas e enormes estátuas eram feitas com fervor só comparável à produção industrial moderna: cada família queria uma, se possível maior que as outras, e assim foram erigidas mais de 800. Falo nisto porque o mundo é hoje uma enorme ampliação da sociedade rapanui—a economia actual, e o seu indispensável crescimento, dependem da compra de muitas coisas quase inúteis e rapidamente deitadas fora. Tal e qual.
De acordo com estudos recentes, a biosfera leva um ano a produzir o que a população do mundo consome em oito meses—situação insustentável, com tendência para piorar. São as necessidades básicas que impõem tal situação? De forma alguma! É só saloiada!
Quantos têm vergonha de usar um telemóvel que não consegue fazer umas tantas coisas que não servem para nada? Quantos, dos que têm o último modelo de comunicação móvel, não o trocam por outro mais moderno que também limpa as catotas do nariz, ou a cera dos ouvidos, mesmo que tenham de se endividar? Uma lástima!
Em Edimburgo, perto do museu da cidade, existe uma loja com o sugestivo nome de "Remade in Edinburgh". Ali, tudo é consertado, transformado, polido e comercializado, desde gravatas a computadores. O lema é "Reparar computadores cria 100 vezes mais postos de trabalho que reciclá-los". E se levar lá um aparelho, eles ensinam-no a repará-lo.
O psicólogo britânico Michael Eysenck chama ao consumismo parolo em que vivemos a "mó do hedonismo", que alimenta a esperança da satisfação da próxima compra ser mais duradoura que a última. Mas acrescenta ser o oposto ainda mais provável.
Felizmente, ainda há coisas louváveis, de uma das quais falava ontem, ou anteontem, Miguel Esteves Cardoso: os livros em segunda mão que a Amazon vende. Uma iniciativa de se lhe tirar o chapéu em plena era da parolice. Infelizmente, os portes do correio para Portugal são incomportáveis. Vale o Kindle, valha-nos isso, mas sai mais caro.
Temos que nos habituar a viver de forma mais racional e criar neste torrão à beira-mar plantado qualquer coisa como um "Remade in Portugal". Isso mesmo!
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