domingo, 20 de abril de 2014

PRAGMAMORFISMO É PAU, É PEDRA

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Antropomorfismo consiste em atribuir às coisas inanimadas qualidades próprias do homem—por exemplo, que a Lua é romântica, ou o mar é cruel. Todos os dias dizemos coisas destas a respeito da mãe do automóvel que não pega de manhã, ou do martelo que bateu no dedo mindinho em vez de bater no prego. Mas o inverso também  acontece, ou seja, atribuir ao ser humano propriedades dos seres inanimados; e não me lembrei dos seixos rolados porque estava a olhar para o Passos Coelho, o Zezito, o Relvas, ou o Marco António que Alberto Gonçalves diz—sabe-se lá porquê— ser às vezes Costa. Na verdade, essa matéria dos calhaus com olhos é conhecida e está esgotada.
Entrando numa de erudição, significando o grego pragma objecto material, podemos chamar ao fenómeno dos calhaus com olhos pragmamorfismo; e, assim, há pragmamorfismo em Passos Coelho, Relvas, Marco António—às vezes também Costa—e no Zezito. Mas o conceito de calhau com olhos é velho e está estafado. Há coisas novas na matéria.
Por exemplo, que dizer da tralha socrática? Desde logo, que é tralha, conceito definitivamente pragmamórfico. Mas é também, e não só, resíduo sólido, fóssil australopiteco, é pau, é pedra, resto de toco, peroba no campo, fundo de poço, garrafa de cana, estilhaço da estrada, prego, fim da picada, carro enguiçado, lama.
E Cavaco? O nome não engana: estamos a falar de  matéria orgânica morta, resto de toco; mas também tombo na ribanceira, chuva chovendo, pedra de atiradeira.
Tom Jobim era um pragmamorfologista inspirado e premonitório. Deus o abençoe! Vamos ouvir a sua excelente música.
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